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Distratos Imobiliários

16.01.2024

Tema sensível no mercado imobiliário são as consequências da extinção antecipada dos contratos de compra e venda de imóveis comercializados durante a fase de construção ou mediante financiamento direto pela vendedora.

A principal celeuma envolvendo a matéria é o percentual de retenção a que faz jus a vendedora nas hipóteses em que a resolução ou resilição contratual se dá por iniciativa do comprador, sem que seja atribuída culpa à vendedora. É o que ocorre em casos de desistência imotivada do negócio e também na hipótese de incapacidade financeira do comprador em continuar adimplindo com as prestações pactuadas.

O entendimento jurisprudencial era no sentido de que a “resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento[1]. Nas hipóteses em que o comprador quem deu causa ao desfazimento, entendia-se que a vendedora faria jus à retenção de 10% a 25% dos valores pagos[2], dependendo das circunstâncias do caso.

A partir do ano de 2014, a grave crise econômica que assolou o país afetou, particularmente, o setor imobiliário. A alta da inflação e das taxas de juros, desemprego, dentre outros fatores, geraram uma verdadeira enxurrada de pedidos de “distratos” e demandas judiciais. Tal fato culminou com a teratológica situação de “vendas negativas”, em que o número distratos superou o número vendas durante certo período. Consequentemente, além de não dispor dos recursos com que contavam para o desenvolvimento dos empreendimentos, as incorporadoras e loteadoras se viram obrigadas a devolver parte dos valores pagos aos compradores, o que impactou severamente o fluxo de caixa de diversas empresas e foi apontado como uma das principais razões para pedidos de recuperação judicial de empresas do setor.

Com o objetivo de conferir maior estabilidade às relações contratuais, foi editada a Lei nº 13.786/2018, também conhecida como “Lei dos Distratos”, a qual alterou parcialmente a Lei de Incorporação (Lei nº 4.591/1964) e a Lei de Loteamentos (Lei 6766/1976). Apesar das críticas que se possam fazer, referida Lei teve o mérito de trazer regras claras para as hipóteses de resilição e resolução contratual, o que é necessário para garantir segurança jurídica e previsibilidade às transações imobiliárias.

No que tange às incorporações imobiliárias, a novel legislação estabeleceu, em suma, que “em caso de desfazimento do contrato celebrado exclusivamente com o incorporador, mediante distrato ou resolução por inadimplemento absoluto de obrigação do adquirente, este fará jus à restituição das quantias que houver pago diretamente ao incorporador”, podendo a incorporadora realizar a dedução da (i) “integralidade da comissão de corretagem” e (ii) de “pena convencional” de 25% (vinte e cinco por cento) da quantia paga (na hipótese de incorporação não submetida ao patrimônio de afetação), penalidade esta que pode ser majorada para até 50% (cinquenta por cento) da quantia paga (no caso de incorporação com patrimônio de afetação). Além da pena convencional anteriormente referida, se a unidade já tiver sido disponibilizada ao adquirente, pode o incorporador deduzir, ainda, as despesas relacionadas ao imóvel (condomínio e IPTU, p. ex), além de valor corresponde à “0,5% do valor do contrato, pro rata die”.

A legislação também fixou prazos para a devolução dos valores. Nas incorporações submetidas ao regime do patrimônio de afetação, a devolução deve ocorrer em até 30 (trinta) dias da concessão do “habite-se”. Já nas incorporações sem patrimônio de afetação, a devolução deve ocorrer em 180 (cento e oitenta) dias do desfazimento do contrato.

Já no que se refere aos contratos de compra e venda de lotes integrantes de loteamentos, estabeleceu a Lei que, em caso de resolução contratual por fato imputado ao adquirente, deverão ser restituídos os valores pagos, permitindo-se as seguintes deduções: (i) os valores correspondentes à eventual fruição do imóvel, até o equivalente a 0,75% (setenta e cinco centésimos por cento) sobre o valor atualizado do contrato, cujo prazo será contado a partir da data da transmissão da posse do imóvel ao adquirente até sua restituição; (ii) o montante devido por cláusula penal e despesas administrativas,  limitado a um desconto de 10% (dez por cento) do valor atualizado do contrato; (iii) os encargos moratórios relativos às prestações pagas em atraso; (iv) os débitos de IPTU, contribuições condominiais e outras vinculadas ao lote, bem como tributos, custas e emolumentos incidentes sobre a restituição e/ou rescisão; (v) a comissão de corretagem, desde que integrada ao preço do lote.

A restituição deverá ocorrer em até 12 (doze) parcelas mensais, com início após o seguinte prazo de carência: (i) em loteamentos com obras em andamento: no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias após o prazo previsto em contrato para conclusão das obras; (ii) em loteamentos com obras concluídas: no prazo máximo de 12 (doze) meses após a formalização da rescisão.

Note-se que, nos casos de resolução de compromissos de compra e venda de imóveis integrantes de loteamento, a base de cálculo dos valores a serem restituídos é o valor total do contrato; enquanto que na resolução de contratos submetidos ao regime da incorporação imobiliária, a base de cálculo são os valores pagos pelo adquirente.

Não obstante a alteração legislativa, que fixou critérios objetivos acerca dos valores a serem restituídos nas hipóteses em apreço, o caminho a ser percorrido para que se alcance a almejada segurança jurídica ainda parece estar longe do fim.

Com efeito, parte da jurisprudência vem reduzindo as penalidades pactuadas em conformidade com o disposto com a Lei nº 13.786/2018, sob a fundamentação de que deve o Juiz reduzir equitativamente a penalidade quando o montante da mesma for manifestamente excessivo (art. 413 do Código Civil).

Nos parece, com o devido respeito às opiniões em contrário, que não pode ser considerada excessiva a penalidade fixada em observância a critérios objetivos previstos em Lei.

E ainda que assim não fosse, ao nosso ver, o eventual excesso apenas poderia ser reconhecido em casos excepcionalíssimos, mediante fundamentação objetiva acerca das circunstâncias do caso. Entretanto, o que se denota de algumas decisões são argumentos genéricos, que poderiam ser aplicados em qualquer situação. Em Acórdão do E. Tribunal de Justiça de São Paulo[3], no qual se discutia o alegado excesso da cláusula penal de contrato de compra e venda de unidade integrante de incorporação imobiliária, defendeu o E. Relator que “a multa/retenção de 50% sempre foi e continuará sendo abusiva, como inúmeras vezes reconhecido pelo Excelso Superior Tribunal de Justiça, que permitia a flutuação desse componente entre 10% a 25%”, olvidando-se que o referido entendimento fora firmado antes da “Lei do Distrato”, sendo absolutamente incabível continuar aplicando-se as mesmíssimas regras, tal qual se alteração alguma tivesse existido. Trata-se, ao nosso ver, de manifesta negativa de vigência à Lei vigente.

Há que se ressaltar que uma das principais finalidades da cláusula penal é tornar desnecessária a prova do prejuízo pelo credor. Entretanto, considerando que a maioria das decisões que reduzem as penalidades contratadas fundamentam-se em alegados excessos e abusividades, entendemos prudente e recomendamos que os incorporadores e loteadores apontem os prejuízos sofridos pela extinção antecipada do contrato.

Por Luciano Hinz Maran – Chaves e Maran Advogados

[1] SÚMULA 543 do STJ, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 31/08/2015.

[2] STJ – AgInt no REsp: 1940984 RJ 2021/0008926-6, Data de Julgamento: 06/06/2022, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/06/2022

[3] TJSP;  AC 1018599-32.2021.8.26.0002; Relator: Ferreira da Cruz; Órgão Julgador: 28ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 31/08/2022.

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