A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu recentemente que a Súmula 308 não pode ser aplicada por analogia às situações que envolvem garantias reais por meio de alienação fiduciária. A decisão foi proferida no Recurso Especial nº 2130141/RS.
A origem da Súmula 308 remonta a um contexto de ampla judicialização envolvendo a antiga construtora Encol. Milhares de compradores de imóveis, em situação de vulnerabilidade, recorreram ao Judiciário para garantir seus direitos após a empresa entrar em colapso financeiro. Em resposta, o STJ editou a súmula para proteger esses consumidores.
A redação da Súmula 308 é clara: “A hipoteca firmada entre a incorporadora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não possui eficácia perante os adquirentes do imóvel”.
Com isso, os compradores foram resguardados de possíveis execuções das hipotecas firmadas pela incorporadora inadimplente, garantindo-lhes segurança jurídica e o direito à propriedade dos imóveis adquiridos.
No julgamento em questão, o STJ analisou a fundamentação da súmula e destacou as diferenças substanciais entre hipoteca e alienação fiduciária.
No julgado foi esclarecido que a alienação fiduciária, instituída pela Lei nº 9.514/1997, foi criada como alternativa à hipoteca, suprindo lacunas deixadas pelas garantias reais tradicionais. A sua adoção passou a oferecer maior segurança jurídica aos credores, especialmente após o surgimento da própria Súmula 308.
Segundo o relator, a hipoteca constitui um direito real sobre bem alheio, em que o devedor mantém a propriedade e a posse direta do imóvel, enquanto o credor possui apenas o direito de garantia.
Enquanto que na alienação fiduciária, a propriedade do bem é transferida ao credor fiduciário como forma de garantia, e o devedor fiduciante permanece com a posse direta do imóvel até a quitação integral da dívida. Trata-se, portanto, de uma relação jurídica distinta: o credor fiduciário é o titular do direito de propriedade, embora sob condição resolutiva, o que não ocorre na hipoteca.
A Corte destacou ainda que a negociação de imóvel alienado fiduciariamente por parte do devedor, sem a anuência expressa do credor fiduciário, é juridicamente ineficaz em relação à titularidade do bem. A Lei nº 9.514/1997 exige tal anuência para a transferência de direitos sobre o imóvel objeto da alienação fiduciária.
Nesse sentido, o STJ concluiu que:
“Logo, seja pela inadequação de se estender a ratio decidendi da súmula aos casos não contemplados no SFH, seja por ausência de similaridade normativa entre os institutos, seja porque o negócio jurídico realizado por quem não é dono não produz efeito em relação ao proprietário fiduciário, ou mesmo pela impossibilidade de elastecer uma hipótese de exceção normativa para restringir a aplicação de regra jurídica válida, o fato é que a Súmula n. 308 do STJ não deve ser empregada nas hipóteses de alienação fiduciária”
A decisão reforça a distinção jurídica entre os institutos e preserva a segurança dos contratos garantidos por alienação fiduciária, respeitando a estrutura normativa vigente.