O artigo 50 do Código Civil Brasileiro, introduzido pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, e alterado pela Lei nº 13.874, de 2019, trata da desconsideração da personalidade jurídica. Tal instituto possibilita que os bens dos sócios e/ou administradores de uma empresa sejam atingidos pelos atos praticados em nome da sociedade, quando comprovado o abuso da personalidade jurídica, que pode ser caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
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A desconsideração da personalidade jurídica é uma medida excepcional, que visa proteger os credores contra abusos ou fraudes cometidas por meio de empresas que tenham sua personalidade jurídica usada de forma irregular.
Importantíssimo asseverar que a mudança do artigo 50 do Código Civil, introduzido pela Lei de Liberdade Econômica, evidenciou o propósito do legislador em tornar necessário comprovar o benefício auferido pelo sócio da empresa.
O desvio de finalidade é caracterizado pelo abuso e objetivo dos sócios em prejudicarem credores. Por exemplo, se uma empresa for criada para realizar atividades comerciais, mas seus sócios utilizam-na para ocultar bens pessoais ou realizar atividades fraudulentas, há desvio de finalidade.
A Confusão patrimonial pode ocorrer quando, por exemplo, os sócios misturam suas finanças pessoais com as da empresa, transferindo bens ou valores sem a devida transparência. Quando isso ocorre, torna-se difícil identificar o que pertence à empresa e o que pertence aos sócios, criando um cenário de insegurança jurídica, que pode prejudicar credores ou outras partes envolvidas com a empresa.
Comprovados um dos requisitos mencionados, o credor poderá valer-se do artigo 50 do Código Civil a fim de atingir o bem do sócio através da desconsideração da personalidade jurídica. Se deferido o pedido, a consequência é que os bens pessoais dos sócios ou administradores serão atingidos para satisfazer as obrigações da empresa.
Destaca-se que a medida deve ser solicitada pela parte interessada, sendo, em regra, os credores os responsáveis por requererem essa providência.
Entretanto, há que se registrar que a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica não é automática, sendo necessária a comprovação do abuso de direito que tenha efetivamente prejudicado os credores da sociedade. Cabe ao magistrado avaliar, com base nas provas e nos argumentos apresentados pelas partes envolvidas, se realmente ocorreu o abuso da personalidade jurídica.
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça no Agravo Interno em Recurso Especial de nº 1870555/SP, de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, e a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Agravo Interno em Recurso Especial de nº 1787751 SP 2018/0337831-0, de relatoria da Ministra Maria Isabel Galloti, assentaram o entendimento relativo à aplicação do artigo 50 do Código Civil, no sentido de que a desconsideração da personalidade jurídica, por se tratar de medida excepcional, está subordinada à efetiva demonstração do abuso da pessoa jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.
Assim, as Turmas do Superior Tribunal de Justiça têm reafirmado que, na ausência de prova cabal de abuso praticados pelos integrantes da sociedade, como o desvio de finalidade e eventual confusão patrimonial, não é possível autorizar a pretendida desconsideração da personalidade jurídica.
Dessa maneira, os precedentes indicam que a aplicação deste instituto deve ser realizada com cautela, observando-se os limites da legislação, e exigindo que a parte que alega o abuso da personalidade jurídica apresente provas robustas de desvio de finalidade ou confusão patrimonial, fundamentos que justificam a desconsideração da personalidade jurídica.
Por Idinara Aparecida Gonzatto
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro.
BRASIL. Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019. Declaração de Direitos de Liberdade Econômica e a Reforma do Estado.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno em Recurso Especial nº 1787751 SP, Relatora: Min. Maria Isabel Gallotti, 4.ª Turma, julgado em 18/02/2020.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno em Recurso Especial nº 1870555/SP, Relator: Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3.ª Turma, julgado em 16/11/2020.