A promulgação da Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025, instituiu um novo regime de tributação sobre o consumo de bens e serviços no Brasil. A Reforma Tributária, que substitui os tributos PIS, COFINS, ICMS, ISS e IPI pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) impactará de forma significativa no Mercado Imobiliário.
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Importante ressaltar que as receitas das atividades imobiliárias atualmente não se sujeitam ao recolhimento do ICMS, ISS e IPI, apenas o PIS e a COFINS incidem sobre tais receitas. Portanto, a maior abrangência da IBS e CBS acarreta a imposição de uma maior carga fiscal para o mercado imobiliário.
Ainda que as alíquotas definitivas do IBS/CBS não tenham sido fixadas, o consenso é que num cenário conservador elas devam conjuntamente variar de 22% a 28%. No presente estudo, adotou-se as seguintes alíquotas estimadas:
Esses percentuais serão reduzidos conforme a natureza da atividade exercida (incorporação, loteamento, locação etc.), por meio dos redutores previstos na legislação, a saber:
Diferentemente do que se verifica atualmente, o IBS e a CBS incidirão sobre o valor agregado, o que demandará obrigatoriamente a apuração entre créditos e débitos, própria dos contribuintes do ICMS, novidade para o mercado imobiliário em geral, onde a opção pelo lucro presumido e pela RET, que incidem exclusivamente sobre a receita, sobressaem.
Atividade | Tributos Vigentes (Lucro Presumido ou RET) | Carga Atual (%) | Tributação Pós-Reforma (Lucro Presumido ou RET) | Carga Estimada (%)4 | Variação (%)4 |
Incorporação (RET)3 | PIS (0,37%) + COFINS (1,71%) + IRPJ (1,2%) + CSLL (0,72%) | 4,00%¹ | IBS/CBS com redutor de 50% (13,5%) + IRPJ/CSLL (1,92%) | 15,42%¹ | +285% |
Incorporação (sem RET)2 | PIS (0,65%) + COFINS (3%) + IRPJ (1,2%) + CSLL (1,08%) | 5,93%¹ | IBS/CBS 27% (50% redutor = 13,5%) + IRPJ (1,2%) + CSLL (1,08%) | 15,78%¹ | +166%4 e 5 |
Venda de Imóveis (PJ) | PIS (0,65%) + COFINS (3%) + IRPJ (1,2%) + CSLL (1,08%) | 5,93%¹ | IBS/CBS 27% (50% redutor = 13,5%) + IRPJ (1,2%) + CSLL (1,08%) | 15,78%¹ | +166% 5 |
Loteamento | PIS (0,65%) + COFINS (3%) + IRPJ (1,2%) + CSLL (1,08%) | 5,93%¹ | IBS/CBS 27% (50% redutor = 13,5%) + IRPJ (1,2%) + CSLL (1,08%) | 15,78%¹ | +166%4 e 5 |
Locação (PJ) | PIS (0,65%) + COFINS (3%) + IRPJ (4,8%) + CSLL (2,88%) | 11,33%¹ | IBS/CBS 27% (70% redutor = 8,1%) + IRPJ/CSLL (7,68%) | 15,78%¹ | +39,27% 5 |
Locação (PF) | Apenas IRPF | até 27,5% | IRPF até 27,5% + IBS/CBS (8,1%) | até 35,6% | +30% 5 |
Venda de Imóveis (PF) | Ganho de Capital (15% a 22,5%) | até 22,5% | GCap até 22,5% + IBS/CBS (13,5%) | até 36,0% | +60% 5 |
Nota 1: Não foi computado o adicional de IRPJ (10%) que incide sobre o lucro trimestral que exceder R$ 60.000,00.
Nota 2: Na incorporação sem RET e no loteamento, a tributação incidirá sobre o valor agregado e será permitido o creditamento de insumos (materiais e serviços), desde que vinculados à atividade tributada, adquiridos de fornecedores que não estejam no Simples Nacional e documentados por nota fiscal eletrônica com escrituração contábil regular. Gastos com mão de obra própria, aquisições de microempreendedores individuais e de optantes pelo Simples não geram crédito.
Nota 3: Na incorporação com RET, não será admitido o creditamento de valores de IBS e CBS sobre insumos, independentemente da origem ou da documentação.
Nota 4: A carga estimada e a variação da incorporação sem RET e do loteamento dependerão do volume de créditos que poderão ser efetivamente aproveitados. O que pode variar conforme a estrutura da operação, a cadeia de fornecedores e o regime tributário destes.
Nota 5: A alíquota incidirá sobre a diferença entre o custo de aquisição do imóvel, a ser apurada nos termos do item 6 abaixo, e o preço de venda.
As operações de permuta de imóveis receberão tratamento específico no novo regime de IBS e CBS.
Conforme o artigo 252 da LC nº 214/2025, não haverá incidência de IBS e CBS nas permutas de imóveis quando não houver torna (diferença em dinheiro). A operação de permuta será considerada uma mera troca de ativos sem repercussão tributária no tocante ao IBS e CBS. No entanto, se houver pagamento de torna, este valor será tributado normalmente por IBS e CBS.
Ressalte-se que a legislação reconhece como permuta — para fins de não incidência — as operações em que a alienação do imóvel, a confissão de dívida e a promessa de dação em pagamento foram formalizadas concomitantemente.
Ainda, o cálculo do redutor de ajuste sobre terreno será proporcional à participação das partes na permuta realizada.
Suponha que um terreno tenha valor de R$10.000.000,00 numa permuta de 80%/20% – 80% para o incorporador e de 20% para o proprietário do terreno. Nesse cenário:
Nas parcerias, em que o proprietário do terreno e o incorporador dividem a receita das unidades produzidas, o redutor de ajuste será aplicado proporcionalmente à participação de cada parte no contrato. O custo do terreno deverá ser rateado entre os parceiros de forma a refletir a proporção contratual estabelecida no instrumento da parceria.
A manutenção do regime atual de tributação até o final dos períodos de transição informados abaixo certamente representará uma economia significativa para contribuintes que se organizarem dentro das regras previstas na LC nº 214/2025.
No caso da locação por pessoa jurídica, a manutenção da tributação sob o regime cumulativo, com alíquota total de 11,33%, representa vantagem frente à alíquota estimada de 15,78% no novo regime (IBS/CBS + IRPJ/CSLL). Já para a locação residencial por pessoa física, o regime de transição permite postergar a incidência dos novos tributos até 2028, com a manutenção da tributação exclusivamente pelo IRPF.
A adoção antecipada de providências para registrar contratos e comprovar sua execução será decisiva para garantir a aplicação dessas regras mais vantajosas durante o período de transição. Para este fim, deverão ser observados:
A adoção dos regimes de transição previstos na LC nº 214/2025 pode representar uma importante estratégia para a manutenção de estruturas tributárias mais vantajosas durante o período de adaptação. A manutenção dos regimes atuais evita a aplicação imediata de uma carga tributária mais elevada, como demonstrado nos quadros anteriores.
Por exemplo, no caso da incorporação submetida ao RET, a alíquota total de 4,00% (IRPJ, CSLL e CBS) representa uma economia relevante em relação aos 15,42% estimados no novo regime. Da mesma forma, loteamentos que optarem pela CBS de 3,65% até 2028 terão vantagem frente à carga combinada futura de aproximadamente 15,78%.
As incorporações submetidas ao Regime Especial de Tributação (RET), poderão manter a sistemática atual de apuração, conforme o artigo 485 da LC nº 214/2025. Para isso, é necessário que:
Durante o período de vigência do RET, a alíquota aplicável será:
Importante: não será admitido o creditamento de IBS ou CBS sobre bens e serviços adquiridos para utilização nas obras submetidas ao RET. Ao fim do prazo de transição, essas incorporações deverão migrar para a sistemática geral, com tributação por IBS e CBS e redutores específicos.
De acordo com o artigo 486 da LC nº 214/2025, loteadores que protocolarem o pedido de registro do parcelamento do solo até 31 de dezembro de 2028 poderão optar por regime de transição para recolhimento da CBS à alíquota de 3,65% sobre a receita bruta efetivamente recebida.
Essa opção permite simplificação e menor carga tributária durante o período de ajuste entre os dois sistemas. Contudo, findo o prazo de transição, a atividade será integralmente submetida às regras do novo regime, com incidência de:
A partir de 1º de janeiro de 2027, os critérios para apuração do custo de aquisição de imóveis serão uniformizados para fins de cálculo do redutor de ajuste na base de cálculo do IBS e da CBS.
O art. 258 da LC nº 214/2025 estabelece as seguintes regras:
A Reforma Tributária apresenta desafios significativos para pessoas físicas que atuam no mercado imobiliário, especialmente aquelas que obtêm receitas com locação ou venda de imóveis de forma habitual ou com valor expressivo.
Com a nova sistemática, a incidência de IBS e CBS poderá alcançar pessoas físicas que:
Além do IRPF e do ganho de capital, essas pessoas passarão a recolher também IBS e CBS, o que pode elevar a carga tributária para patamares próximos a 36%.
Diante desse cenário, é recomendável que as pessoas físicas avaliem:
Essa análise deve considerar o volume de receitas, o tipo de operação, a frequência das transações e os objetivos patrimoniais e sucessórios de médio e longo prazo.
Até o ano de 2023, a incidência do IBS e da CBS se dará de forma escalonada, a saber:
Ano | CBS (%) | IBS (%) |
2026 | 0,9% | — |
2027 | 1,8% | 0,1% |
2028 | 3,0% | 0,2% |
2029 | 9,05% | 1,0% |
2030 | 9,05% | 2,0% |
2031 | 9,05% | 3,0% |
2032 | 9,05% | 4,0% |
2033 | 9,05% | 17,95% |
Nota: Durante o período de transição, o PIS e a COFINS continuarão coexistindo com o IBS e a CBS, até que esses tributos sejam plenamente substituídos. A carga tributária poderá ser superior durante os anos de sobreposição.
A Reforma Tributária estabelece um novo paradigma para a tributação do Mercado Imobiliário no Brasil. A substituição dos tributos tradicionais por CBS e IBS implica em uma profunda reestruturação do modelo de apuração, incidência e recolhimento, exigindo dos operadores do mercado imobiliário uma revisão minuciosa de suas estratégias fiscais, contratuais e operacionais.
Os dados demonstram um impacto significativo na carga tributária, especialmente para operações fora do regime especial de tributação (RET), como incorporações, loteamentos e vendas de imóveis por pessoas jurídicas. A locação, a cessão onerosa e o arrendamento de imóveis também serão substancialmente afetados, particularmente para pessoas físicas que ultrapassarem os limites de isenção e se tornarem contribuintes obrigatórias da CBS e do IBS.
Embora a sistemática de redutores e o redutor de ajuste possam mitigar parte do impacto, a complexidade envolvida na apuração dos créditos, nas regras de transição e na coexistência temporária dos tributos antigos com os novos reforça a necessidade de um planejamento aprofundado.
Com a Reforma Tributária, é recomendável que incorporadores, investidores, locadores e demais agentes do Mercado Imobiliário busquem, desde já, orientação jurídica e contábil especializada para:
Por Alceu Rodrigues Chaves